quarta-feira, 19 de março de 2008

DEMERITOCRACIA

"Muito inteligente esse garoto". Era isso o que sempre diziam sobre ele. Desde a tenra infância, surpreendia as pessoas com seus conhecimentos, avançados demais até para a maioria dos adultos.

Na escola, sempre se destacou como o primeiro da classe. Os professores tinham medo de lhe dar aulas, receosos que ele lhes trouxesse alguma pergunta da qual não soubessem a resposta.

E, de fato, ele foi o primeiro colocado nos exames de admissão à universidade. Faria, assim, uma entrada triunfal nos estudos superiores.

O problema é que não podiam dar a vaga a ele. Por lei, todas as vagas disponíveis estavam destinadas a integrantes de alguma minoria oprimida. E ele parecia demasiado "normal" para ser classificado em alguma delas.

Mesmo assim, tentaram fazê-lo. Era só classificá-lo em alguma minoria racial. Parecia um trabalho fácil. Afinal, havia cotas para negros, pardos, índios, amarelos, indianos, javaneses, polinésios e esquimós.

Só que o menino não colaborava: insistira em nascer branquinho como o leite. "Mas que azar o dele!" - pensaram - "Foi nascer justamente na classe opressora e má".

Mesmo assim, não desistiram de encontrar-lhe uma vaga. Afinal, ele merecia! Procuraram, nas leis, alguma brecha que lhes permitisse incluí-lo como "cotista".

E a legislação era vasta. Além das cotas raciais, encontraram reservas para caminhoneiros, filhos de policiais baleados pelo tráfico, taxistas, camelôs, donas de casa que apanharam de seus maridos e portadores de gripe espanhola. Nenhuma delas servia.

Descobriram até mesmo uma lei que reservava vagas a imbecis. O problema: ele, obviamente, era inteligente demais para ser classificado como tal. Mesmo assim, resolveram utilizar esse dispositivo, dando um "jeitinho" para ajudar tão valoroso estudante.

Uma junta médica tratou de classificar o então jovem como portador de inteligência um pouco abaixo da média. Apenas o suficiente para enquadrá-lo no tal dispositivo legal de proteção aos imbecis.

Com o atestado médico, puderam conceder-lhe a tão sonhada vaga nos estudos superiores. Não foi a entrada triunfal que imaginaram, mas, diante das dificuldades, uma pequena entrada pela janela - como de fato o foi - serviria.

Deram-lhe apenas uma recomendação: que, ao assistir às aulas, não se revelasse o aluno brilhante de sempre. Ou seja, deveria portar-se da forma mais imbecil possível, para não gerar desconfianças.

Esperto, o rapaz entendeu o recado, e nunca demonstrava a inteligência que tinha. Nas aulas, ficava quieto, segurando a vontade de corrigir os colegas ou os professores. Nas provas e trabalhos, apenas o suficiente para ser aprovado, e nada mais.

Os anos se passaram, e, com eles, aproximava-se a data de formatura do geniozinho. Pensaram que este, sim, seria o momento de glória que não pôde ocorrer quando da sua entrada na faculdade.

Mas nada viram. Ele não foi o orador da turma. Tampouco participou de qualquer das homenagens ou discursou. O rapaz simplesmente levantou, pegou seu diploma e voltou a sentar-se. De resto, permaneceu calado e imóvel. Sorria somente para as fotos que todo formando faz para seu álbum de formatura.

Ao final da cerimônia, foram conversar com ele. "O que houve?", perguntaram-lhe. "Era sua formatura, o que combinamos não importava mais. Por que você quis se manter tão discreto?"

O rapaz não entendeu as perguntas. Do geniozinho de anos atrás, nada mais restava. Os anos de discrição lhe foram cruéis. Seu desempenho mediano nos estudos não lhe permitiria vôos muito altos. E ele sequer lembrava como fazer para melhorá-lo.

Porém, havia arranjado um emprego de escriturário, uma profissão que não requeria muitos estudos, é verdade, mas que lhe pagava o suficiente para viver. Assim, agradeceu aos senhores pela oportunidade de conseguir aquele diploma, que, naquela etapa da vida, já não era mais necessário.

E foi embora cedo, pois no dia seguinte tinha muitas guias a emitir e fotocópias a tirar.

6 comentários:

rikejuca disse...

Sad, but true. Belo texto...

Abs!

Reverendo disse...

Parece a história de alguns engenheiros...

rikejuca disse...

Engenheiros, biólogos, advogados... pera aí, advogado só faz isso mesmo. Heh.

:P

Fernando Silva disse...

Advogados e servidores públicos em geral :P

Thais Schardong disse...

É!!"La vida es dura"...:P
Bjs.

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e