segunda-feira, 19 de novembro de 2007

HOMONÍMIA

Comunico a todos meus familiares, amigos e conhecidos em geral que morri. Sim, é isso mesmo: agora sou um falecido, um “de cujus”. Um presunto, um “que Deus o tenha”, ou qualquer outro eufemismo que o povo costuma utilizar nessas horas, para amenizar o sofrimento.

Ao menos foi isso que os jornais noticiaram naquele dia. Um acidente horrível, envolvendo dois automóveis. Tragédia mesmo, de tais proporções que não me atrevo a descrevê-la, para não chocar os leitores mais sensíveis. Curiosamente, um sujeito com um nome parecido – sequer igual – com o meu estava envolvido. Não morrera, mas, pelo que vi, encontrava-se ferido com certa gravidade.

A notícia do meu nome – ou melhor, de um nome apenas parecido com o meu – foi o suficiente para que as pessoas relacionassem o semi-homônimo a um dos mortos no acidente. Para piorar, havia a agravante de que essa pessoa estudava na mesma faculdade onde eu me formara havia pouco tempo. Por extensão, correu a notícia de EU fui um desses mortos. A confusão estava instalada.

É, amigos, mataram-me! Pouco após o meio-dia, quando o telejornal recém noticiara a tragédia, começaram os telefonemas. O primeiro deles foi de um amigo que, ainda sonolento, acompanhara a notícia, sem prestar muita atenção. Quando ouviu meu nome, resolveu contactar-me, para desencargo de consciência. Ao perceber que eu estava mais vivo do que ele, pôs-se a fazer seus afazeres rotineiros, no caso, um cochilo vespertino, pois ninguém é de ferro!

Em seguida, o telefone aqui de casa transformou-se em um misto de muro das lamentações com atendimento de operadora de telefonia fixa. Havia, basicamente, três tipos de contatos: o desconfiado, baseado na frase “notícia ruim corre rápido, então não pode ser verdade”; o desinformado, que só queria saber mais sobre o que ocorrera; e o precipitado, esse sim, conformara-se com a minha morte prematura, tendo ligado apenas para expressar suas condolências.

Fato semelhante a esse ocorrera havia alguns anos. Para variar, outro acidente horrível, mas, nesse caso, meu homônimo – aí sim, nome e idade iguais aos meus – não fôra a vítima, mas sim o malfeitor, o meliante, o delinqüente. Pelo que lembro, atropelara dois inocentes pedestres em uma rodovia movimentada. E, por essa razão, encontrava-se detido na delegacia.

Pensem comigo: já imaginaram se um fulano desses foge da cadeia? E já imaginaram se, nesse tempo, resolvo viajar e, na estrada, paro em uma barreira policial? Ah, meus amigos, até explicar que urubu não é louro, provavelmente terei ouvido um “cala a boca, vagabundo”, isso três segundos antes de ser conduzido coercitivamente para a traseira de um camburão.

Deve ser por isso que, em plena madrugada, meu tio telefonou esbaforido, a fim de saber se eu havia passado por aquelas bandas. Pobre coitado, que desgosto sofreria aquele militar aposentado, caso um sobrinho seu se envolvesse em tantos ilícitos do Código Penal, como aquele fulano.

Preocupado com o acontecido, realizei, nessa época, uma rápida pesquisa. Então percebi que meu nome era mais comum do que imaginara, pois em cinco minutos achei, Brasil afora, outras 14 pessoas com nomes idênticos. Nada mais normal: o que mais eu poderia imaginar, considerando os sobrenomes portugueses – e dos mais comuns – que herdei de meus pais?

De certa forma, até é bom saber que, ao menos nessas horas, tantas pessoas preocuparam-se comigo. Mas, pelo visto, serei obrigado a zelar para que as pessoas homonímicas que descobri comportem-se e não façam mais nada de errado nesta vida. Afinal, o nome que está em jogo também é o meu.

(Crônica publicada originalmente em livro resultante do III Concurso Literário da Semana do Servidor de SC. Até comecei a me levar a sério nesse negócio.)

Um comentário:

RODRIGO CUNHA disse...

Uepa! eu fui um deles hehehehe.

Cara, parabéns pelo texto. Tá muito bom!

abs